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Sem fiscalização, veículos circulam livremente nas praias do PI

Sem fiscalização, veículos circulam livremente nas praias do PI

Todo o litoral piauiense faz parte de uma área de preservação ambiental, cuja circulação de veículos é proibida. Um cão foi atropelado e morto por veículo UTV da empresa Esportes da Sorte, segundo testemunhas.

Por: Carolina Simiema and Viviana Braga 07 mar 2025, 12:02

O desrespeito às leis de preservação do meio ambiente e segurança dos cidadãos nas praias segue fazendo vítimas no litoral do Piauí. Durante os dias de Carnaval muitos veículos, especialmente UTVs e quadriciclos, foram vistos circulando pelas faixas de areia. Nas praias de Barra Grande e Barrinha, locais bastante procurados pelos turistas que visitam o estado, moradores denunciam uma série de irregularidades, incluindo risco à integridade física dos banhistas e até atropelamento de animais.

No último dia do feriado, por exemplo, um cão morreu na praia de Morro Branco, após ser atropelado por um veículo UTV da empresa de apostas esportivas online Esportes da Sorte, segundo testemunhas que presenciaram o ocorrido e afirmam, também, que o motorista saiu do local sem prestar socorro. 

“Nesse dia eu fui velejar na praia, levei os cachorros, como sempre. Eram dois carros desses. Aí, aconteceu que esse carro passou, o motorista tirou a mão do volante para ajeitar os óculos e, bem na hora, os cachorros latindo para o carro, ele atropelou um”, relata a testemunha.* 

“O meu menino estava na praia e ele falou que esse carro vinha igual a um maluco, né? Aí os cachorros por ali brincando.. O outro cachorro também pegou uma pancada, mas se livrou, não foi grave. Mas esse morreu na mesma hora”, lamenta a tutora do cão. 

 

Print da divulgação do atropelamento no Facebook

Publicação gerou comoção nas redes sociais. Imagem: Divulgação

Nas redes sociais, muitas pessoas se solidarizaram com o caso e também compartilharam experiências negativas em relação à circulação de veículos, citando, principalmente, condutores deste UTV: “Todo feriado esses irresponsáveis vem causar transtornos”, diz um comentário. “Infelizmente, vem acontecendo frequentemente”, avalia outro.

Na página do instagram de um dos empresários da empresa, diversas pessoas comentaram em uma das suas publicações com o veículo alertando sobre a proibição, mas os comentários foram apagados. 

A Mídia EcoNós entrou em contato com Daniel Trajano, CEO da casa de apostas, por meio do seu perfil oficial, mas até o momento da publicação desta reportagem, não obtivemos retorno. O conteúdo será atualizado, caso recebamos resposta. 

*Por segurança, os nomes dos entrevistados foram omitidos. 

Área de desova de tartarugas marinhas

A presença de veículos nas praias representa também um risco aos ninhos das tartarugas marinhas que depositam, durante a temporada reprodutiva, seus ovos na areia. Conforme explica Werlanne Magalhães, bióloga e coordenadora do Instituto Tartarugas do Delta, todo o litoral do Piauí é considerado um berçário das cinco espécies de tartarugas existentes no país.

“A temporada reprodutiva delas inicia em dezembro, quando sobem as primeiras tartarugas para depositar os ovos, e se encerra quando nascem os últimos filhotes, por volta dos meses de setembro e outubro. Qualquer trecho do litoral pode ser escolhido como berçário e o processo de incubação leva em média 60 dias, ou seja, em março, já temos filhotes nascendo”, explica.

Litoral do Piauí é berçário para três das cinco espécies de tartarugas no Brasil

Portanto, de acordo com a pesquisadora, a presença de veículos nas praias representa uma séria ameaça às tartarugas marinhas da região. O peso dos carros compacta a areia, tornando mais difícil a escavação dos ninhos e podendo danificar ovos já depositados. Além disso, a luminosidade e o ruído gerados pelos veículos desorientam os filhotes, dificultando sua jornada até o mar.

Embora não se tenha dados oficiais de atropelamentos de ovos e filhotes, o Instituto Tartarugas do Delta possui registros fotográficos de algumas ocorrências. “Os veículos na faixa de areia colocam em risco a temporada reprodutiva das tartarugas marinhas e a vida das pessoas – crianças, jovens, adultos e idosos -, que frequentam nossas praias, assim como outros animais que também utilizam a zona de praia”, acrescenta Werlanne Magalhães.

 

Tartaruga filhote indo para o mar.

Tartaruga filhote indo para o mar./ Imagem: Arquivo Instituto Tartarugas do Delta

Proibição e fiscalização 

O tráfego de veículos na faixa costeira é proibido por lei em todas as praias do país. A medida está baseada em normas ambientais, municipais e estaduais, além do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por meio da Lei nº 9.503/1997, que prevê restrições ao tráfego de veículos em áreas de preservação permanente, como praias, restingas e dunas.

Muitos estados e municípios possuem leis ou regulamentações específicas para o trânsito de veículos em praias, como ocorre no Piauí, cuja regulamentação se dá por meio do Plano de Manejo Sustentável da APA Delta do Parnaíba, que é respaldado, ainda, pela Lei Federal de Crimes Ambientais (9.605/1998) e pelo Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo para apurar essas infrações.

De acordo com o Plano de Manejo, “é proibida a entrada, a permanência e a circulação de veículos automotores nas praias litorâneas e restingas, exceto os veículos mencionados a seguir, quando a serviço de suas respectivas atividades: (I) órgãos de segurança pública, (II) órgãos públicos de conservação e proteção do meio ambiente, (III) serviços de emergência, serviços públicos, de pesquisa e monitoramento, de apoio logístico à pesca profissional, (IV) atividades licenciadas e (V) veículos de apoio a atividades e eventos devidamente autorizados pela APA Delta do Parnaíba”.

“Existe um instrumento que deve ser considerado para essa orientação de não circulação de veículos na praia, que é o plano de manejo da APA. É um documento que apresenta as regras de uso e ocupação de unidades de conservação. E não andar de carro na praia é uma das regras dessa unidade de conservação”, enfatiza Werlanne.

O litoral piauiense, que se estende por 66 km, faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Parnaíba, criada em 1996 e que também abrange trechos do Maranhão e do Ceará. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semarh-PI), é proibida a circulação de veículos em praias, restingas e dunas em todo o estado.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão informou que realiza principalmente ações educativas e preventivas, nas quais fiscais ambientais abordam condutores para conscientizá-los sobre as Unidades de Conservação do Estado e os motivos da proibição do tráfego de veículos na praia.

A Mídia EcoNós também entrou em contato com a Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa). Segundo o comandante do Batalhão, Major Freitas, as fiscalizações nas faixas de praias no Piauí acontecem em conjunto com a Semarh e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Fixamos placas e fizemos ações conjuntas durante todo o Carnaval, que coincidiu com a operação defeso do caranguejo de Chaval até Tutóia. A Cipa age fazendo a notificação prévia e enviando ao ICMBio os dados para que possam registrar e emitir multa”, afirma Major Freitas.

Carnaval e meio ambiente: as festas nas praias do Piauí tem plano sustentável?

 

Equipe de fiscalização durante instalação de placa

Equipes ICMBio e pelotão ambiental durante instalação de placa em Luis Correia./ Foto: Divulgação Cipa.

No entanto, moradores da região relatam que a fiscalização nas praias de Barra Grande e Barrinha é pouco frequente. A insatisfação fica evidente na fala do empresário Gustavo Almeida:

“Se existe uma lei que proíbe, os órgãos responsáveis pela fiscalização têm de ser cobrados. Se tem polícia para prender, para fiscalizar as ruas, para apreender veículos com documentação atrasada, então tem de ter polícia para ir também à praia. Principalmente quando já se sabe quem é o proprietário do veículo, onde mora e tem as fotos que comprovam a infração”.

Para Werlanne, a única saída para solucionar o problema é a atuação conjunta entre Poder Público, comunidade e as organizações:

“A função do projeto [Tartarugas do Delta] é fazer esse monitoramento, proteger e sinalizar os ninhos, mas a gente precisa contar com o apoio do policiamento ambiental, do pessoal da APA para que eles consigam fazer esse trabalho de fiscalização e coibir a circulação de veículos nas praias”, afirma.

Placas de orientação

Placa de proibição de veículos nas praias

Foram colocadas três placas nas praias de Luís Correia e a ação foi coordenada pela APA Delta do Parnaíba – ICMBio

Uma das principais queixas de moradores da região e argumento de quem circula nas praias com veículos motorizados é de que não existem informações públicas a respeito da proibição. “Não tem uma placa que informe isso, eu não sou daqui, não sou obrigada a saber”, disse uma condutora de quadriciclo ao ser abordada pela diretora do Instituto Caburé, Camila Marinho, no feriado de Ano Novo. 

Para os moradores, a sinalização pode representar, sim, um avanço nas tentativas de solução para a problemática local. 

“A sinalização da proibição de veículos na praia é emergente, porque estamos em uma área de proteção ambiental e precisamos desse equilíbrio ecológico. O trânsito de veículos representa uma ameaça para a desova e os filhotes de tartaruga. Além disso, a vegetação costeira tem um papel essencial na contenção do avanço do mar, e o tráfego na praia contribui para sua degradação. Também há o risco para os esportes como o kitesurf e para os banhistas, já que há muitas crianças e turistas na praia. A instalação de placas de sinalização é essencial, mas, acima de tudo, precisamos do compromisso de cada pessoa para proteger nossa praia. Afinal, praia não é estrada”, pontua Isabel Lupiañez, que, há mais de dez anos, lidera o Projeto Vivo, escola de Kitesurf para crianças da comunidade.

Desde 2016, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Piauí (MPE/PI) cobram das prefeituras a colocação das placas de sinalização, indicando que é proibida a circulação de veículos na faixa de areia. Em 2025, foram colocadas três placas nas praias de Luís Correia e a ação foi coordenada pela organização APA Delta do Parnaíba, em conjunto com o ICMBio.

À nossa reportagem, Adriano Damato, analista ambiental do ICMBio e chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) Delta do Parnaíba, informou que foram feitas algumas fiscalizações nos últimos dois anos, mas como não tinham muitas placas (informando da proibição), os agentes apenas entregavam um comunicado para as pessoas que entram com o veículo na praia, informando que na próxima vez haveria a autuação. 

Damato disse ainda que um mutirão para instalação de placas está sendo realizado pelas entidades envolvidas com a causa e, a partir do momento que as praias estiverem todas bem sinalizadas, quem for flagrado circulando com veículos pelas praias já será autuado. 

“O Plano de Manejo da APA do Delta do Parnaíba proíbe a circulação de veículos automotores nas praias. Por enquanto, instalamos apenas três placas e deixamos mais três com a prefeitura de Luís Correia. Em relação a Cajueiro da Praia, os empresários estão se prontificando a fazer mais placas, então, a partir do momento que tiver tudo sinalizado, vamos fazer as fiscalizações e autuações, que podem variar de R$ 500 até R$ 10 mil, dependendo da gravidade da infração”, diz.

A Secretaria de Meio Ambiente de Cajueiro da Praia não retornou aos nossos contatos.

Canais de denúncias

Para denúncias de infrações nesse âmbito, a Semarh informou que possui um canal de comunicação, na Gerência de Fiscalização do órgão, que pode ser utilizado pela população, como forma de combater as infrações: (86) 9 9464 1242.

A CIPA também disponibiliza o número (86) 9 9493-5471 para que os cidadãos possam realizar as denúncias. “Conseguimos notificar até por fotografia, desde que tenha informação da data, hora  e dados de latitude e longitude da ocorrência”, explica o comandante do Batalhão, Major Freitas.

Veículo na faixa de areia da praia

Importante que as imagens da denúncia tenham data e localização./ Foto: Divulgação Instituto

Outro canal de denúncias que pode ser utilizado pela comunidade é o da própria APA do Delta do Parnaíba: (83) 9 9108-8201

É possível ainda fazer denúncias pelo aplicativo Radar Ambiental, lançado pela Comissão do Meio Ambiente e do Conselho Nacional do Ministério Público (CMA/CNMP), que é gratuito e permite que os usuários enviem fotos, vídeos e a localização das infrações ambientais. As denúncias são encaminhadas para o Ministério Público responsável e podem ser acompanhadas pelo denunciante dentro do próprio aplicativo.

Além disso, também é possível denunciar crimes ambientais por meio da Ouvidoria do Ministério Público Estadual ou do IBAMA, que oferece o canal Linha Verde: 0800-618080.

 

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