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Marisqueiras do Macapá: quem são as mulheres que resistem e preservam o litoral do PI?

Projeto piauiense resgata valorização e potencial da atividade marisqueira. Ação encabeçada pela Comissão Ilha Ativa, em parceria com outras instituições, trabalha com mulheres das comunidades tradicionais do litoral piauiense.

Por: Viviana Braga 29 abr 2025, 10:48

Em cada mulher o resgate de uma história marcada por desafios, em cada encontro a oportunidade para o fortalecimento de uma classe que há décadas busca reconhecimento e valorização. A vida das marisqueiras no litoral piauiense nunca foi fácil, mas além das questões culturais e financeiras, hoje em dia elas também precisam lidar com problemas de degradação ambiental e disputa de terras.

Foi diante de tamanha complexidade que a Comissão Ilha Ativa (CIA), com o seu compromisso socioambiental integrou um grupo de educadores e estudantes, para apoiá-las em busca de justiça social e ambiental. Assim, o Coletivo BioSaber, formado por membros da CIA – em parceria com outras instituições como a Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Estadual do Piauí (Uespi) – nasceu para promover uma reparação pela autoestima, como explica a professora Fran Rocha, uma das organizadoras do projeto. “A proposta é de articulação das mulheres empoderadas em atividades sustentáveis. Trabalhamos com o compromisso socioambiental, em ações que envolvem educação ambiental, social e também a luta pelo território”, afirma.

Fran Rocha em encontro com marisqueiras no Povo Macapá/Foto: Viviana Braga

A Mídia EcoNós acompanhou um dos encontros promovidos pelo grupo, responsável pela mostra “Mariscando Vidas de Mulheres”, que busca compreender quem são as mulheres que vivem na APA do Delta do Parnaíba. A ação, realizada no Povoado Macapá, zona rural do município de Luís Correia, faz parte das iniciativas que envolvem comunidades tradicionais do litoral piauiense, como Ilha Grande e Cajueiro da Praia.

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No Macapá, o objetivo tem sido colaborar com a organização das mulheres que trabalham com mariscos nesta que é uma das comunidades mais tradicionais do litoral piauiense. Com cerca de 30 mulheres que se autodeclaram marisqueiras, atualmente, a atividade no povoado é apenas para abastecimento dos restaurantes locais e consumo próprio.

Entre as marisqueiras do Macapá, a mostra “Mariscando Vidas de Mulheres” descobriu histórias como a de Rosalina Veras, de 67 anos. Nascida em uma família de 11 filhos, foi catando mariscos que ela e boa parte de sua família tiraram “sustento” ao longo de anos. 

“Minha família foi a primeira a trabalhar com mariscos aqui no Macapá. Naquela época a gente não tinha opção de outra coisa, era isso ou nada. A necessidade era grande em tudo e foi graças a esse trabalho que sobrevivemos. Nunca foi fácil, mas escolheria nascer quantas vezes pudesse na minha família”, diz emocionada.

Atualmente afastada da atividade pela própria idade e por questões de saúde, dona Rosa confessa que ainda sente falta de se “enfiar” na lama junto à inseparável irmã, Gorete Veras, outra referência para as marisqueiras do Macapá. “Mesmo com toda dificuldade e sofrimento, tenho saudades da nossa infância e dos momentos que compartilhamos ali naquela luta diária. Se pudesse, ainda voltaria lá para catar mariscos junto da minha irmã”.

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Cerca de 30 mulheres atuam como marisqueiras no Macapá/Foto: Viviana Braga

O exemplo das tias Rosa, Gorete e da própria mãe, já falecida, é o que inspira Rita de Cássia, de 40 anos, a lutar pela causa das marisqueiras. Nascida e criada no Macapá, Ritinha – como é conhecida – deseja dar continuidade à cultura e, principalmente, fortalecer a atividade que vem se perdendo ao longo dos anos. “Minha luta é para preservar nossa história, nossa comunidade, nosso meio ambiente. Nunca foi e nunca será uma vida fácil, mas é possível viver do marisco com dignidade e respeito à natureza”.

Segundo a marisqueira, para além das dificuldades já inerentes à atividade, hoje a ocupação desordenada das áreas de praia e mangue é o principal desafio das comunidades tradicionais. “Antes pra gente conseguir catar o marisco era preciso se embrenhar nas áreas no mangue, numa certa distância de onde morávamos. Hoje em dia, o marisco dá aqui na frente das barracas. E por quê? Porque antes tudo isso aqui era área de mangue que foi ocupada. Essa vegetação nova que tá nascendo aqui em frente é um pedido do socorro do mangue, que tá lutando pra reocupar seu lugar”, diz.

Ao se deparar com relatos como esse, pesquisadores, técnicos e cidadãos que formam o Coletivo BioSaber têm organizado, junto a outras entidades de apoio, ações que colaborem com a atividade e a preservação do meio ambiente. 

“Quando a gente pensa na mulher e no clima é porque já percebemos em pesquisas com as comunidades o impacto da ocupação desordenada das áreas litorâneas e das mudanças climáticas. Uma pergunta que foi bastante interessante nesse processo foi: qual sua perspectiva para os próximos 10 anos? Nas respostas, percebemos que as pessoas não têm perspectivas boas se continuar tudo como está. Dessa forma, entendemos que esse não é um trabalho individual, mas coletivo, principalmente para que as mulheres possam lutar e ter visibilidade, já que é uma classe vulnerável diante das mudanças climáticas”, enfatiza a professora Fran Rocha.

Mostra “Mariscando Histórias de Mulheres” em exposição/Foto: Viviana Braga

Economia e sustentabilidade para as marisqueiras

Entre as atividades propostas pelo Coletivo, está a organização do Festival Marisqueiras do Piauí, que reunirá as associações de marisqueiras das comunidades tradicionais do litoral piauiense, mostrando todo o potencial da atividade. “Estamos em fase de organização desse evento que tem como objetivo fortalecer a atividade, mostrando na prática o aproveitamento do marisco na culinária, com diversas receitas, mas também em outras frentes como o artesanato”, destaca Fran Rocha.

Para Rita de Cássia, o festival será uma oportunidade ímpar para a atividade marisqueira ganhar a visibilidade e o respeito que merece. “O evento vai permitir que as pessoas conheçam nossa atividade, valorizem o trabalho que é duro e reconheçam o valor que o marisco tem, não só para a culinária, mas também para criação de peças lindas feitas pelas artesãs e até mesmo o reaproveitamento das cascas em pisos e paredes das casas, assim como fazíamos antigamente”, declara animada.

Poucos sabem, mas as cascas dos mariscos podem ser utilizadas na bioconstrução como um material sustentável e alternativo, especialmente na fabricação de blocos de concreto e outros produtos. De acordo com pesquisadores, por ser rica em carbonato de cálcio, a casca pode substituir ou complementar outros materiais como areia e cimento, reduzindo o impacto ambiental da produção de materiais de construção.

O bioconstrutor Marcelo Victor Silva destaca que uma das utilizações práticas da casca de marisco na construção civil é o chamado bloco verde que pode ser utilizado para a pavimentação de calçadas, passeios e estacionamentos. “Esse tipo de produto costuma ser mais resistente do que o tradicional, devido a resistência que se dá pela reação química entre o cimento e o resíduo das cascas – rico em cálcio –, que substitui as areias fina e média na composição do bloco. Além disso, no processo de produção, a água da lavagem das peças pode ser amplamente reaproveitada na produção de substrato para hortas comunitárias, por exemplo”, afirma.

Viviana Braga

Jornalista, cofundadora e diretora-executiva da EcoNós.

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