Berçário das tartarugas marinhas no Brasil: conheça a relevância do litoral do Piauí
Em 2024 o estado registrou 300 ninhos de quatro espécies e mais 17 mil nascimentos de filhotes. A expectativa dos pesquisadores é que o número cresça em 2025.
Quem não conhece o litoral do Piauí pode até julgá-lo pelo tamanho, apenas 66 km – o menor do Brasil. Mas a verdade é que por trás desse número existe um gigante quando se fala em biodiversidade. Inserida dentro da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba (APA Delta), a região que abriga o maior delta em mar aberto das Américas, é também um verdadeiro berçário marinho, abrigando os ovos das cinco espécies de tartarugas marinhas existentes no país.
Segundo dados do Instituto Tartarugas do Delta, ONG de preservação das tartarugas marinhas que atua na área, somente no ano de 2024 foram mais de 17 mil filhotes liberados na natureza. A entidade contabilizou ainda 300 ninhos de quatro espécies. “Nessa temporada de 2025 temos conseguido ampliar ainda mais nosso trabalho de monitoramento de praias, registrando um maior número de ocorrência de ninhos, sendo a mais abundante a tartaruga-de-pente”, diz Werlanne Magalhães, bióloga e coordenadora do Projeto Tartarugas do Delta.
De acordo com a pesquisadora, o litoral piauiense oferece as condições perfeitas para a produção das espécies. “Aqui temos a presença de praias íngremes e erosivas, que são praias com a granulometria da areia que permite ser uma área adequada para a desova dessas tartarugas marinhas. Além disso, temos a temperatura da água e areia bastante favoráveis”, explica a bióloga
Atualmente, o maior desafio dos pesquisadores é quanto à ocupação desordenada das áreas de praia. A construção de bares e restaurantes, pousadas, lixo, presença de carros nas faixas de areias, e até mesmo a iluminação desses locais, podem prejudicar o ciclo reprodutivo dos animais.
“É por isso que acreditamos que o trabalho de conservação deve acontecer em parceria com a comunidade. Então paralelo ao trabalho de pesquisa e monitoramento das praias, a equipe também realiza ações educativas, além de buscar o envolvimento comunitário, nos aproximando de condutores de turismo, pescadores e artesãos para que eles consigam compreender o processo de conservação e de que forma podem colaborar com a preservação da área”, enfatiza Magalhães.
Luz artificial é causa da morte de quase 50 filhotes de tartarugas na praia Peito de Moça
Dentre as ações educativas e de aproximação com a comunidade, o Instituto Tartarugas do Delta promove o acompanhamento do nascimento de alguns ninhos monitorados pelo projeto. Nesses momentos, além de receber informações sobre o ciclo reprodutivo das tartarugas e sobre a importância da conservação das áreas de praias, o público presente pode ver os filhotes deixando o ninho com direção ao mar, enfrentando seus primeiros desafios. Um momento de encantamento para todos e uma verdadeira lição da importância da vida desses seres.
Ao acompanhar um desses nascimentos, Camila Yangara afirma ter realizado um sonho de adolescência. “Viver essa experiência foi algo profundamente emocionante pra mim. Desde a adolescência, quando li o livro A Última Música, fiquei marcada por uma cena muito especial, que descreve o nascimento das tartarugas marinhas e sua jornada rumo ao mar. Aquilo despertou em mim uma grande curiosidade e o desejo de presenciar esse momento de perto. Por muitos anos, esse sonho permaneceu guardado, até agora”, relata.
Ainda de acordo com Camila, viver esse sonho ao lado da família – filhos e maridos, tornou a vivência ainda mais importante. “Tive a oportunidade de vivê-la ao lado da minha família, e foi muito mais especial do que eu poderia imaginar. Ver meus filhos encantados com aquele momento, acompanhando cada tartaruguinha em sua caminhada até o mar, foi mágico. E tudo isso só foi possível graças ao trabalho incrível do Instituto Tartarugas do Delta, que realiza esse projeto com muito cuidado e responsabilidade. As tartarugas são uma espécie sensível e ameaçada, e participar de um momento tão íntimo de suas vidas nos faz refletir sobre a urgência da preservação ambiental. É impossível sair de lá da mesma forma”, relata.
Camila Yangara vivenciou junto à família o nascimento de filhotes na Praia de Itaquí
Ciclo de vida das tartarugas marinhas
Ao saber sobre o número de ninhos e filhotes que nascem a cada temporada, é senso comum acreditar que existem muitos exemplares desses animais pelos mares. Mas a verdade é que o ciclo reprodutivo e de vida das tartarugas marinhas é bastante frágil.
Conforme explica Werlanne Magalhães, a cada mil filhotes que nascem, apenas um ou dois chegam à idade reprodutiva, que ocorre por volta dos 20 a 30 anos de vida, dependendo da espécie. “A verdade é que a maioria delas vira alimento para outros animais ou ainda acabam sendo vítimas da ação humana. As fêmeas retornam para desovar, cerca de 30 anos depois, na mesma praia onde nasceram. É um processo que revela não só a complexidade desse ciclo reprodutivo, como também a importância de conservarmos nossas praias para a perpetuação dessas espécies”.
Voluntário do Instituto Tartarugas do Delta acompanha nascimento de filhotes
Nessa temporada reprodutiva de 2025, a equipe de pesquisadores do Instituto já registrou a desova de uma fêmea ainda não marcada/monitorada, provavelmente em suas primeiras desovas. “Momentos que nos tocam de forma especial. Receber uma fêmea ainda não marcada é como assistir o início de uma nova história. Nossa equipe realizou o registro e fez a marcação para que, a partir de agora, ela seja acompanhada nas próximas temporadas. Isso aquece nossos corações e nos enche de orgulho” acrescentou Werlanne Magalhães.