Farinhadas garantem renda e produção sustentável às comunidades tradicionais
Herança cultural resiste ao tempo e ainda é fonte de alimento e renda de famílias no litoral do Piauí
A cultura do Nordeste encanta a maioria daqueles que se propõe conhecê-la e vivenciá-la. Seja por meio das músicas, danças ou culinária, o jeito nordestino de ser, reflete o modo de viver de um povo, que construiu sua herança com simplicidade e espírito colaborativo. As tradicionais farinhadas são exemplo de uma prática que sobrevive ao tempo e que é fonte de subsistência e sustento de muitas famílias.
No mês de junho, época em que se festeja o São João, a efervescência dessa cultura se acentua e as casas de farinha ficam repletas das famílias que se unem para fazer produtos essenciais da culinária nordestina. A mandioca é a matéria-prima que dá origem a goma, massa e farinha, base de receitas para bolos, mingaus e o famoso beiju.
A Mídia EcoNós visitou uma tradicional casa de farinha, no Povoado Macapá, município de Luís Correia. Apesar do trabalho duro e demorado, o ambiente é festivo e acolhedor. Gorete Veras é uma das matriarcas da família, que comanda a farinhada. Ela fala com orgulho das histórias compartilhadas em família e do trabalho conjunto que envolve força, mas também delicadeza e afeto.
“No tempo da farinhada a gente reúne toda família e ainda chama outras pessoas da comunidade para ajudar. Aqui tem gente de toda idade mantendo essa tradição que fazemos questão de passar de geração em geração. Sou muito feliz e grata a Deus pela vida de fartura que temos”, conta emocionada.
Gorete Veras é uma das matriarcas que comanda a casa de farinha no Macapá/Foto: Viviana Braga
A farinhada é parte da vida rural e do ciclo agrícola. Todo o processo de produção de uma casa de farinha inicia com a plantação da mandioca no período chuvoso. Após a colheita, a raiz é descascada, colocada de molho por cerca de quatro dias, em seguida é lavada e escorrida diversas vezes para a retirada da goma, e só depois passa a ser ralada, peneirada e torrada até que fique no ponto da famosa farinha de puba.
“Muitas pessoas apreciam esses produtos, mas não têm ideia de onde vêm e como são feitos. É um trabalho muito cansativo, mas que nos enche de satisfação em ver os produtos que são feitos por nós mesmos”, diz Bernardo da Costa, que desde criança participa das farinhadas em família.
Segundo a educadora popular e pesquisadora de comunidades tradicionais, Fran Rocha, o resultado da farinhada reflete a dedicação de quem faz da mandioca mais que um alimento, mas também um verdadeiro legado. “A farinhada faz parte da cultura do nordestino. Nessa atividade o destaque é para a agricultura familiar, pois além de servir para o consumo próprio das famílias, o que sobra é vendido e dividido com outros membros da comunidade que participam do trabalho. É um momento de aprendizado, um verdadeiro ritual”, afirma.
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Farinhada e sustentabilidade
Além da geração de renda e preservação cultural, a farinhada está bastante ligada à sustentabilidade, por meio de práticas que minimizam o impacto ambiental. Segundo especialistas, a produção de uma casa de farinha gera, além dos produtos principais, subprodutos que são utilizados como adubo orgânico e na alimentação animal, minimizando resíduos.
Tradição é repassada de geração em geração, reunindo membros da família e comunidade/Foto: Viviana Braga
Outro ponto positivo da cultura está na contribuição para a manter a cobertura vegetal nas áreas de plantação, reduzindo o desmatamento. “É uma atividade que colabora também na questão da agrofloresta, aumentando a biodiversidade, melhorando a saúde do solo, e fornecendo uma variedade de produtos, como os alimentos, madeira e outros recursos”, enfatiza a pesquisadora Fran Rocha.
A manutenção dos moldes tradicionais de produção da agricultura familiar é um dos fatores que influenciam na sustentabilidade da atividade. “Até hoje o transporte que a gente utiliza é a carroça. Quando vamos para roça é todo mundo em cima dela e quem puxa a carga é minha burrinha Mariquita, que no dia que não trabalha, reclama sentindo falta do serviço. Então pra nós é uma alegria quando chega o inverno que a gente vai plantar e ver toda essa fartura da mandioca, melancia, milho, feijão. É uma realização”, completa Gorete Veras.