Carnaval e meio ambiente: as festas nas praias do Piauí tem plano sustentável?
Por se tratar de uma APA, região se torna ainda mais vulnerável. Especialistas alertam para a importância de fomentar o turismo com práticas sustentáveis.
O carnaval é, talvez, uma das festividades brasileiras mais aguardadas em todas as regiões do país. De norte a sul, cidades inteiras são tomadas pela alegria dos foliões durante os quatro dias de festa. No litoral piauiense, que engloba quatro cidades, duas prefeituras divulgaram a programação de eventos que acontecem na orla de suas praias: Luís Correia e Cajueiro da Praia.
A promessa de “carnaval pé na areia” traz também a dúvida sobre o que fica para as cidades depois que a festa acaba. Ao propor eventos que, de um lado, fomentam o turismo na região, as prefeituras pensam também em ações para mitigar os prejuízos ao meio ambiente?
Pouco mais de um mês antes do carnaval, a prefeitura de Cajueiro da Praia, por meio de suas redes oficiais, divulgou a grande novidade da região, o carnaval da “princesinha do litoral”, que será realizado na praia da Barrinha, comunidade que fica a cerca de 7km do município. Na mesma ocasião, a prefeitura de Luís Correia também fez o convite à população para o carnaval “Euphoria”, na praia de Atalaia.

Palco na praia de Atalaia para o carnaval “Euphoria”/ Foto: Viviana Braga
Comum aos dois eventos é a promessa de um evento inesquecível para a população local e para os turistas, mega estruturas, atrações imperdíveis e segurança reforçada.
Outro ponto comum são os problemas ambientais, como lixo e degradação ambiental, que grandes eventos como estes costumam deixar de saldo nos locais em que são realizados. Em se tratando de uma Área de Proteção Ambiental (APA), como é o caso das praias da Barrinha e Atalaia, a situação é ainda mais delicada.
De acordo com Edvania Gomes, doutora em Geografia e docente do Curso de Turismo da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), o Carnaval é uma das festas populares que mais movimenta o turismo da região e, como tal, atinge uma quantidade de pessoas que está fora do quesito “capacidade de carga”. “Seja nas cidades ou nas áreas litorâneas, nesses casos, a quantidade de pessoas sempre é uma preocupação. Os impactos vão além dos resíduos sólidos, há ainda questões como a falta de água, som acima do permitido, entre outros fatores”, explica.
A especialista enfatiza que não se trata de ser contra o desenvolvimento do turismo nessas áreas, reconhecendo a importância do setor para a economia local. Mas ressalta a necessidade de pensar a atividade sem deixar de olhar para as questões ambientais.
“Como sendo o menor litoral do país, com apenas 66 km de extensão, isso torna nossa região muito sensível aos impactos. Assim, as políticas públicas voltadas para o turismo, devem ser alinhadas com as necessidades de preservação e conservação, visando a proteção dos ecossistemas para o futuro sustentável da região litorânea. Algumas das políticas públicas que devem ser implantadas e defendidas são aquelas voltadas para a sustentabilidade socioambiental com inclusão das comunidades locais nos processos de desenvolvimento sustentável”, afirma.
Contexto local e danos reais

Lixo acumulado nas margens da estrada que dá acesso à praia da Barrinha./ Foto: Carolina Simiema
Dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) divulgados por meio do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, apontam uma geração anual estimada de 81 milhões de toneladas de lixo no país em 2023.
De acordo com o relatório, o Nordeste é a segunda maior região geradora de resíduos sólidos urbanos, atrás do Sudeste, com uma fatia que representa 24,7% do total, ou mais de 20 milhões de toneladas de lixo geradas em 2023.
Já a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do IBGE indica que, neste mesmo ano, 77% dos municípios do Piauí ainda fazem a destinação incorreta dos resíduos, indo para lixões ou aterros controlados, e mais de 70% não desenvolvem ações de conscientização e educação sobre o descarte de lixo.
Luís Correia e Cajueiro da Praia estão entre as cidades piauienses que ainda não atenderam à Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída por lei desde 2010, e que prevê o encerramento dos lixões e a destinação adequada de seus resíduos sólidos a aterros sanitários.
Apesar da pauta ambiental estar prevista nos planos de governo e destes municípios terem gestões de continuidade, eleitas em 2024, a pouca efetividade de ações voltadas ao tratamento adequado do lixo e outras problemáticas ambientais já gera impactos negativos no ecossistema local.
Conforme dados revelados em pesquisa coordenada pelo Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) e a ONG Sea Shepherd Brasil, mesmo situado em uma área de proteção ambiental, o litoral do Piauí é o segundo estado com a maior concentração de microplásticos em suas praias.
A pesquisa mostra, ainda, que a praia da Barrinha, onde será o carnaval de Cajueiro, é a sexta praia no país, dentro de uma APA, com a maior quantidade de microplásticos, com densidade de 29.500 partículas por metro quadrado.

Mesmo em área de preservação, praia da Barrinha acumula lixo, que pode ir para o oceano / Foto: Carolina Simiema
Outro exemplo da ausência de políticas públicas que, de fato, sejam eficazes quanto a esta demanda urgente, fica evidente na fala da bióloga e coordenadora do Instituto Tartarugas do Delta, Werlane Magalhães.
Segundo ela, o tráfego de veículos na praia, embora seja proibido, não é incomum, especialmente durante os períodos de maior fluxo turístico, como é o caso do Carnaval. “Essa prática irregular pode causar danos, por exemplo, à reprodução das tartarugas marinhas. Qualquer trecho do litoral pode ser escolhido como berçário. A temporada reprodutiva delas inicia-se em dezembro e o processo de desova leva em média 60 dias, ou seja, em março, é provável que já tenhamos filhotes nascendo”, explica.
Litoral do Piauí é berçário para três das cinco espécies de tartarugas no Brasil
Nesse sentido, a bióloga alerta para os impactos que grandes eventos podem causar na biodiversidade local e na saúde dos oceanos.
Um evento como o Carnaval passa a ser um cenário propício para a ocorrência de todos esses problemas. A luz branca dos palcos, voltada para o mar, pode assustar as tartarugas e impedir que cheguem à areia para desovar. O lixo acumulado pode acabar no oceano, e especificamente sobre a praia da Barrinha, podemos citar a poluição pelos microplásticos e os veículos na praia com o risco de atropelar ninhos” , enumera Werlane, destacando os desafios.
Estratégias viáveis no Carnaval
Diante do cenário apontado, idealizar eventos que não apenas beneficiem o turismo e o comércio, mas que também preservem o meio ambiente e a biodiversidade local, torna-se um requisito necessário e com ações que preveem mitigar os impactos negativos.
Como estratégias para o enfrentamento e redução dos danos, Edvania Gomes aponta soluções possíveis de serem implementadas a curto, médio e longo prazo. “Pensar em um turismo nessa região nos leva a focar em estudos de Capacidade de Carga Turística (CCT), que alinha os estudos do território, suas potencialidade e fragilidades à inserção de atividades com impactos sejam eles positivos e/ou negativos. Outra sugestão é continuar os diálogos com os órgãos gestores como as prefeituras, associações de pescadores, ICMBio, IBAMA, e instituições de ensino que desenvolvem pesquisa e extensão na região”, sugere.
No entanto, segundo Gomes, é possível reduzir os danos com iniciativas simples, mas que também geram resultados satisfatórios, como o incentivo a separação do lixo e atividades de educação ambiental. “Pode ser feita uma ação educativa por meio de gestores públicos e privados antes, durante e após o término do Carnaval. Além disso, organizar os catadores de resíduos e reeducá-los quanto ao uso de papeis, plásticos e tudo aquilo que é descartado nesses eventos também é uma estratégia viável”, complementa.
A pesquisadora defende ainda a construção de lugares que possam abrigar as festas e que fiquem distantes da praia ou da orla.
Não há necessidade de usar a praia para este fim. Tem muitos lugares no litoral onde as festas podem acontecer sem perturbar o meio ambiente e a comunidade local”, pontua.

Veículos nas praias podem atropelar ninhos de tartaruga / Foto: Carolina Simiema
Turismo sustentável e economia
Tão importante quanto fomentar o turismo na região e impulsionar a economia local é garantir também a conservação do meio ambiente por meio de práticas sustentáveis. Nas redes sociais das prefeituras de Cajueiro da Praia e Luís Correia, o convite é animado: quatro dias de festa com estruturas nunca antes vistas na região.
Nesse contexto, estão inseridos políticos, empresários, turistas e a própria comunidade local. Se de um lado há a expectativa dos empreendedores – sejam eles pequenos, médios ou grandes -, que pretendem alavancar os ganhos financeiros; do outro, a animação dos foliões, em sua maioria turistas, que esperam se divertir não só com as festas, mas também aproveitar o melhor que o litoral tem a oferecer: as belezas naturais. E no meio de tudo isso, ficam os moradores locais, que, financeiramente, são os menos beneficiados e levam também o saldo negativo da herança deixada por estes eventos pontuais.
Isso porque, segundo Edvania Gomes, ainda são poucos os grandes empreendimentos que levam em consideração essa questão. “Quando os empreendimentos voltados para o turismo não atendem a necessidade local, o desenvolvimento não é linear, ou seja, não há um desenvolvimento homogêneo que alcance a população local na sua totalidade. Umas das questões mais discutidas nessa temática é: a quem interessam estes empreendimentos? O turismo só se tornará bom para a região se ele for bom para todos, suprindo também as necessidades também da população local”, reflete a pesquisadora.
O que é turismo predatório e como combatê-lo em comunidades locais?
Com um limite geográfico entre dois dos maiores roteiros turísticos do Brasil — os litorais do Ceará e do Maranhão —, o Piauí já integra uma região de grande potencial turístico, impulsionada por diversos fatores, como lazer e recreação. Nesse contexto, o turismo sustentável se torna essencial para manter esse equilíbrio.
“Falta ainda o diálogo para apoiar a comunidade local, principalmente pelos empreendimentos voltados para o capitalismo exacerbado, que não respeita a fragilidade e potencialidade natural. A vontade de crescer deve caminhar ao lado de perguntas como: Se eu preservar e conservar isso vai me ajudar a viver melhor no futuro? A quem pertence o futuro? Estas e outras questões devem ser respondidas urgentemente por aqueles que querem que a natureza seja seu objeto de paisagem capitalista para a geração de lucros”, conclui Edvania Gomes.
Ainda sobre a necessidade da implementação de políticas públicas que contemplem um turismo sustentável no litoral do Piauí, a bióloga Werlanne Magalhães acrescenta que “é fundamental e urgente que tanto a população quanto a gestão compreendam que as praias piauienses integram uma unidade de conservação e, portanto, devem seguir regras de sustentabilidade”.
Mas, ao planejar o Carnaval nas praias piauienses, foram consideradas ações para mitigar os impactos ambientais? Como será feita a coleta do lixo? Haverá ações de conscientização e educação ambiental? Haverá fiscalização?
**Para falar sobre essas e outras ações durante o Carnaval, a Mídia EcoNós entrou em contato com as Secretarias de Meio Ambiente e Turismo de Cajueiro da Praia e Luís Correia, mas até a publicação desta reportagem não obtivemos retorno. O conteúdo será atualizado, caso recebamos uma resposta ou novas informações sobre as medidas adotadas durante o evento.