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ONG no PI protege população de jumentos no 2º estado que mais abate a espécie

ONG no PI protege população de jumentos no 2º estado que mais abate a espécie

ONG Barrapets resgata, trata e protege jumentos no litoral do Piauí, onde a espécie enfrenta risco de extinção devido ao abate para exportação.

Por: Carolina Simiema and Viviana Braga 18 fev 2025, 14:59

Há 11 anos, a comunidade de Barra Grande, bairro rural de Cajueiro da Praia, no litoral do Piauí, conta com um projeto independente de proteção aos animais, o Barrapets. Liderado por uma mulher, Fernanda Faustino, a ONG ajuda a preservar a população de jumentos no segundo estado do país que mais abate a espécie. Além dos cuidados com os asininos, a organização também desenvolve ações com cães e gatos da região. 

Quem visita o litoral do Piauí admira as belezas naturais pouco exploradas, a culinária e o acolhimento caloroso do seu povo. Mas, para além dos encantos óbvios, outra característica marcante da região é a presença frequente dos jumentos em todos os lugares. O animal, que é símbolo da resiliência local e tem um papel social e cultural importante, é também um atrativo à parte para os turistas.

É comum ver  grupos de visitantes, especialmente não nordestinos ou estrangeiros, interagindo com os animais, que além da atenção e do carinho que ganham dos viajantes, acabam fazendo parte das lembranças da viagem, seja nas fotos ou nos souvenirs encontrados nas lojas locais. No entanto, apesar de admirados e festejados pelos de fora, esse animais vivem uma realidade de descaso, correndo até mesmo risco de extinção.

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“Pela necessidade do local, entendemos que o projeto deveria também contemplar os asininos, a gente recolhe esse animais que, muitas vezes, as pessoas abandonam, com o intuito de cuidar e livrá-los de sofrimento”, afirma a fundadora da organização, Fernanda Faustino.  

No projeto, esses animais recebem cuidados com alimentação, curativos em ferimentos e medicamentos, quando necessário. Depois de tratados, são devolvidos ao habitat natural deles, ou seja, soltos na região. A organização faz, ainda, o controle dos animais que passam pelo projeto. No total, em Barra Grande, são apenas 26 jumentos soltos na rua, explica Faustino. O número, já pouco expressivo, levou a fundadora a decidir não realizar castrações, que, ao contrário, é o foco das ações do projeto, principalmente nas cadelas e gatas, como forma de controle populacional na região. 

“A gente não trabalha muito a ideia de castrar os asininos, justamente pelo risco de extinção que essa espécie corre, principalmente pensando nos abates desses animais para a exportação para a Ásia”, salienta. 

Demanda por cosméticos põe jumentos em risco de extinção

Dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 existiam 376 mil asininos no Brasil. De 2017 até julho de 2023, pelo menos 237 mil asininos foram abatidos em frigoríficos autorizados, conforme dados do Ministério da Agricultura.

A explicação para o fato está na crescente exploração de países asiáticos – especialmente China, Hong Kong e Vietnã – que expandiram, a partir de 2016, a demanda por produtos cosméticos e farmacêuticos, que utilizam o ejiao, gelatina extraída da pele de jumentos para sua produção. Além disso, em menor escala, a carne desses animais também é utilizada para consumo. Estima-se que uma barra de 300g de ejiao custe, em média, o equivalente a R$1300, e embora o produto não tenha comprovação científica, é bastante tradicional na medicina chinesa.

Ainda conforme dados Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Piauí é o segundo estado que mais abate asininos, ficando atrás apenas da Bahia e seguido, em terceiro lugar, pelo Ceará. Apesar de a maior parte dos abates ocorrer na Bahia, o Piauí e o Ceará são os dois principais “exportadores” de jumentos para os frigoríficos baianos. 

Encontrar dados sobre a atual situação dos asininos não é uma tarefa fácil. O último censo agropecuário realizado pelo Mapa foi em 2017, no qual constavam registrados apenas 126 asininos em Cajueiro da Praia,  Parnaíba com somente 44 cabeças, Luís Correia com 461 jumentos e 1.015 animais em Ilha Grande, as quatro cidades que formam o litoral piauiense. Desde o último censo, os números e a realidade desses animais seguem alarmantes.

Em relação ao Piauí, de 2021 a 2024, por exemplo, 8.249 jumentos foram abatidos legalmente. Destes, somente em 2024, foram 3.447 animais. Os dados do Mapa contabilizam apenas os abates legais, mas, como argumenta Fernanda, “nunca se sabe se são mesmo abates legais” e em quais condições esses animais foram capturados e levados, já que em regiões como no litoral piauiense a maioria dos jumentos fica solta pelas ruas, o que facilita a apreensão do bicho.

“Eles são raptados e levados para frigoríficos, currais ou abatedouros ilegais, ou seja, se são pegos soltos na rua, no meio da natureza, sem saber de onde são, isso já é de forma ilegal. Em todos esses interiores é muito comum isso ocorrer com frequência”, pontua. 

Em muitos casos, relata a ativista, esses animais são capturados na “calada da noite” com uso de violência e maus tratos. “Em 2021, nós tivemos 26 dos nossos jumentos roubados, nós ficamos apenas com cinco machos e 11 fêmeas que tivemos que guardá-los por cerca de três meses na casa de um apoiador. Nós fizemos um trabalho de imprensa muito grande, as mulheres se reuniram e a gente foi atrás de televisão, filmagens e delegacia”, conta. 

Apesar da grande repercussão que o projeto deu ao caso, a solução e identificação dos responsáveis não seguiu adiante. 

Mesmo regulamentado pelo decreto nº 9.013/2017, especialistas alertam que o abate de jumentos no Brasil está longe do ideal. Isso porque, além da falta de fiscalização, desde a apreensão até o momento do abate – o que pode resultar em maus tratos aos animais -, também não há uma cadeia de produção estabelecida. Segundo os ativistas, os abates acontecem com os animais que já existem atualmente, favorecendo a redução dos espécimes a cada ano.

“Um filhote de asinino, para chegar ao ponto de abate, demora até quatro anos, o que, cumprindo todas as etapas citadas, tornaria a produção inviável financeiramente”, aponta a bióloga Patrícia Tatemoto, em entrevista ao portal G1 Ceará, e que trabalha com a Donkey Sanctuary, organização britânica que atua na proteção de espécies de asininos pelo mundo e pela proibição do abate.

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Jumentos bem tratados e comunidade consciente

Jumentos são medicados

Forasteira está aos cuidados da ONG e se recupera de um ferimento no rosto

O Barrapets propõe uma “pequena solução para os animais do vilarejo”, é o que diz a fundadora. Nestes 11 anos de atuação, é perceptível observar uma mudança de comportamento na própria comunidade, que se mostra mais consciente e mais interessada no trabalho da organização. 

“A maioria dos jumentos chega até a gente porque alguém viu que tinha um animal machucado ou sofrendo maus tratos, daí entra em contato e a gente vai lá resgatá-lo para acolher e cuidar. Então eles são medicados, tem um veterinário que ajuda a gente, um tratador que laça os animais”,  explica. 

Neste momento, o Barrapets está cuidando de uma fêmea encontrada em uma comunidade rural próxima à região do Litoral, bastante machucada e debilitada. Apelidada de Forasteira, a jumentinha fica acolhida em um terreno cedido por uma das integrantes do projeto para esta finalidade, recebe comida, água, curativos e muito carinho, duas vezes por dia, antes de ser devolvida à natureza.

“Ela estava com o rosto completamente deteriorado. Ela já está com a gente há um mês e meio e falta bem pouco para ela ficar bem. Como estamos em uma área de preservação ambiental, esses animais não podem ficar presos, eles vivem soltos, são livres, então, logo, logo a Forasteira volta para a natureza”, conta.

De acordo com Faustino, o projeto conta atualmente com cinco voluntárias, mulheres da comunidade que se comprometem a ajudar a cuidar dos jumentos, seja levando alimentos ou cuidando dos ferimentos diariamente.

Além disso, mesmo quem não atua diretamente no projeto, participa oferecendo sobras de frutas e vegetais nas próprias portas de suas casas, já que é comum que os jumentos andem pelas ruas do vilarejo. 

Outra prática que tem se tornado comum e decorre da sensibilização que o projeto propõe são as verdurarias que também acumulam as sobras de alimentos, o que de um lado ajuda na alimentação dos jumentos e de outro ainda evita o desperdício. 

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Custos e formas de participação

O Barrapets é uma organização da sociedade civil que se sustenta por meio de doações e trabalho voluntário. Via de regra, as doações são realizadas por pessoa física de maneira espontânea, programadas ou pontuais.

Para incentivar as doações, que podem ser simbólicas a partir de R$5, o projeto criou uma espécie de programa de recompensas, no qual cada doador é incluído em um sorteio mensal de prêmios, que também são ofertados pela própria comunidade, como bolos, sessão de massagem, jantar em algum estabelecimento do vilarejo, uma peça de artesanato, etc. 

Além disso, o projeto propõe ainda uma adoção simbólica do animal, que vale tanto para os jumentos, como para os cães e gatos. Nesse modelo, a pessoa custeia mensalmente, a partir de R$50, uma parte das despesas do bicho, como alimentação ou medicamentos. 

Fernanda explica que para os jumentos o custo fixo mensal somente da alimentação fica em torno de R$320. De acordo com ela, são compradas quatro sacas de milho e farelo no total, mas além disso, como é comum que os bichos sejam encontrados machucados, as despesas recorrentes com medicamentos também entram nesta conta.

“Fazemos uso de spray, antibióticos e antiinflamatórios, vermífugo, bandagens, esparadrapos. Depende da condição de cada animal, e também tem mudança de medicamento, ou seja, não tem um custo fixo, mas uma estimativa podemos dizer que na faixa de R$300 por animal machucado”, explica. 

Fora os gastos considerados fixos de alimentação e cuidados paliativos, o projeto possui também os gastos variáveis com veterinário, tratador (a pessoa que vai ao local resgatar o animal machucado), procedimentos cirúrgicos e outras necessidades pontuais.

“Se tem um atropelamento, se precisa fazer uma eutanásia, dependendo da necessidade, a gente investe R$1.000, R$1.200 em um animal”, relata. 

 

Comentários

  1. Fernanda Faustino disse:

    Tão especial ver um assunto importante como esse ser abordado de maneira tão minuciosa. Obrigada. Parabéns pelo trabalho!!

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